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18 de agosto de 2014
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Contos do corpo, 19 – A fronteira

A cada dia eu me aproximava um pouquinho mais da fronteira da infância. Já conseguia enxergar o que me esperava do outro lado. Garotos, sutiã e menstruação. Muitas das minhas colegas estavam passando por isso. Cada uma que menstruava, ganhava status. Deixavam de conversar com nós. Passavam a cochichar entre si. Tinham cólicas. Às vezes faltavam à aula por causa dessa condição.

As professoras ficavam mais atenciosas com elas, as “mocinhas”. Em retribuição elas passavam a se comportar como “mocinhas”. Cercavam-se de mistérios. Iam para o banheiro a cada meia hora, tomavam remédio e passaram a levar uma tal de nécessaire dentro da mochila. Nas aulas de educação física, ficavam sentadas no banco, folheando uma revista.

Enquanto isso eu continuava correndo em volta da quadra, feito um camelo, e – sinceramente – não conseguia acreditar que um dia aquilo fosse acontecer comigo também.

De repente elas apareciam com seios. Os meninos comentavam. A mim, o comportamento beirava a pornografia. Ao mesmo tempo, não era. Elas eram as mocinhas. Havia dias em que conseguiam fazer com que eu me sentisse um brutamontes. Algumas choravam sem motivo.

Enquanto isso, me mantive fiel aos meus princípios. Na divisão entre adultos e crianças, fiquei do lado dos inocentes. Meu corpo não aderiu ao modismo. Deixei que fossem na frente, desbravando o caminho com seus seios espalhafatosos.  Eu não tinha pressa. Estranhamente, isso fez com que me sentisse muito mais madura que elas.

Eu era bem-resolvida o suficiente para desfrutar minha infância até a última gota. Naquele ano, no dia das crianças, muitas boicotaram a data. Foram bem blasé a respeito.

Eu pedi uma boneca. De propósito. Pedi a “Meu bebê”, que tinha expressão facial de uma criança de carne e osso, segundos antes de abrir um berreiro. O peso e o volume eram fidedignos ao de um ser humano. Por essas características, não era bem um brinquedo.

Na segunda-feira tive a ousadia de levar meu bebê para a escola.

Durante o recreio fiquei ninando minha filha, num canto da quadra. Elas podiam ser mocinhas, mas eu era mãe.

Meu gesto as deixou desconcertadas. Não conseguiram disfarçar a inveja e o ressentimento.

Sem querer, minha atitude serviu de incentivo para outras jovens mães que também passaram a trazer as filhas para a escola. Formamos um grupo. Éramos, na maioria, mãe solteiras. Apenas uma era viúva. Curiosamente, ninguém nem pensava em casar novamente. Estávamos além disso. Curtíamos aquele período tão gostosinho de pura inocência, cuidando dos nossos bebês.

As aulas eram uma chateação. Seríamos muito mais felizes como donas de casa. Mas ninguém ali recebia pensão. Por isso, sempre chegava o momento de guardar nossas filhas no armário e voltarmos para as nossas obrigações. No fim do mês tínhamos contas para pagar, e as crianças, com fome.

 
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