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4 de setembro de 2014
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Contos do corpo, 26 – As bobagens do corpo

Duas semanas depois os dedos dos meus pés estavam cobertos de bolhas. A unha do dedão era uma placa roxa pulsando por socorro. O mindinho, coitado, era um coto esmagado que se perguntava o que havia feito de errado para merecer aquilo.

–              Bota algodão que ajuda – a professora disse, ao ver a situação.

Enrolei os dedos com uma faixa de algodão, depois passei esparadrapo num por um e enfiei o conjunto todo numa esponjinha. Calcei a sapatilha de ponta por cima, sem dó, sem piedade. Chiaram, mas eu não dei a mínima. Eu era a chefe. Eles, os proletários. As reivindicações não tinham cabimento algum. Além do mais, eu mesma não reclamava da dor. A essa altura, já havia entendido que aquilo era um efeito colateral corriqueiro.

–              Isso passa – a professora disse. –   Você está criando calos.

O prazer de ver meu reflexo no espelho, dançando nas pontas dos pés, com minhas pernas cada dia mais torneadas e fortes, compensava todo o resto. Às vezes eu nem acreditava que estava olhando para mim, de tão elegante que me sentia. Minha mãe havia até comprado a saia cor de rosa transpassada. Era o único dia da semana em que eu me sentia bonita. Melhor dizendo, sexta-feira era o dia da semana em que eu me transmutava. Eu ficava bonita de verdade. Fazia um coque rebuscado e amarrava um lenço de seda no topo da cabeça, num estilo espanhol. O lenço era preto com bolas brancas. Minha referência era Carmem e sua faca afiada. Passava batom, arrumava a postura e já entrava na sala com atitude de quem sabe o que está fazendo. Eu era o oposto da menina estranha e infantilizada do colégio, com sua boneca no colo.

Nas aulas de ponta eu tinha domínio absoluto. Não apenas meus pés, mas o resto do corpo acatava os comandos do meu cérebro. De boca fechada, apenas dançando, eu gostava do meu jeito. Ali eu estava sempre de bem com a minha pessoa.

Certo dia, ao final da aula, eu menstruei. Fui para o vestiário e, confirmado. Menstruação. Finalmente. Foi um alívio. A essa altura todas as minhas amigas eram “mocinhas” enquanto eu continuava me sentindo uma aberração. Associei a menstruação ao estado calamitoso dos meus pés. Acho que uma coisa veio compensar a outra. Em casa eu treinava todos os dias. Botava as sapatilhas de ponta e rodopiava no corredor. A menstruação não interferiu em nada. Não fiquei de cama, não saí contando para as amigas e nem boicotei a aula de educação física.

Para uma bailarina de verdade, incômodos do corpo são bobagens. Não dávamos atenção a essas miudezas. Prestava atenção na música, admirava minha imagem no espelho e me entregava à dança. A dança vinha primeiro. Ela brotava de um lugar indefectível, e o corpo acompanhava, alheio às limitações físicas.

 
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4 comentários

  1. Avatar
    Sabrina Adrian Ribeiro Martins

    Como sabemos, a realidade de hoje em dia é muito ruim!

    queria saber se você fez aula de ballet por sonho seu ou por ser obrigada por sua mãe?

    Pois, na maioria das vezes, os pais “obrigam” seus filhos a fazerem tais profissões!

    Eu já fiz ballet mas por opção minha,
    porque, grassas a Deus, meus pais nunca me obrigaram à nada!

    Sim! me incentivaram muito, principalmente em questão musical!

    Acho muito ruim para os filhos que são obrigados à fazer certas coisas por obrigação!

    Mas obrigada pela sua atenção,
    Grata
    Sabrina.

    1. Avatar

      Eu fiz ballet pq gostava mesmo. Aliás, faço até hoje. bjo

  2. Avatar
    tatiana ferrarini

    Oi
    Que legal vc faz ballet…Índigo mil utilidades kkkkk
    Imagina eu com esse corpinho fazendo ballet….melhor não imaginar, abafa o caso, deixa quieto como falam meus alunos.Dançar é tudo de lindo. O corpo fica leve e a alma feliz.Eu também danço e canto mais somente embaixo do chuveiro para não deixar ninguém traumatizado kkkk

    1. Avatar

      Ballet é bom demais. Até quando é ruim é bom ; )

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