A declaração de Deucalião
Para você que chegou agora: desde o comecinho de janeiro estou reproduzindo (em formato de prosa) “Metamorfoses” do poeta Ovídio, acrescentando meus pitacos. Em itálico, as palavras originais. Abaixo, meus comentários.
Deucalião olhou em volta. Tudo desolado, vazio, em silêncio. E as lágrimas escorreram quando ele disse a Pirra:
– Ó minha esposa, a única mulher agora em toda a terra, minha consorte e minha prima e minha parceira neste caos, olha! De todas essas terras, de leste a oeste, nós dois, apenas nós dois. Compomos a população. O oceano tomou conta de tudo. O apoiou para nossos pés, nosso suporte, é minúsculo. As nuvens, ainda assustadoras. Pobre mulher, bem pelo menos não estamos sozinhos. Mas suponha que estivesse. Como você suportaria seu medo? Quem consolaria seus lamentos? Minha esposa, acredite em mim, se o mar a tivesse levado, eu a teria seguido. Se tivesse poder, restauraria as nações, como meu pai fez. Daria ao barro o sopro da vida. Como está, nós dois somos o que restou da raça humana. Assim os Céus determinaram, amostras de homens. Meros espécimes.
Fica aí uma prova de que desde que o mundo é mundo os homens são desse jeito. Nada como um bom barraco com destruição a destruição total para eles nos valorizarem. Obviamente Deucalião está muito mais apavorado do que Pirra. Prova disse é que ele faz um desabafo desses e ela nem responde. Deve ter acenado com a cabeça e pensado consigo. “Calma, no fim sempre se dá um jeito…” Então deve ter pegado um balde e começado a tão necessária faxina.