A história de Licaon
– Ele, na verdade, já foi punido. Quanto a isso, não se preocupem. Mas o que fez, e como pagou, são coisas que preciso lhes contar. Tinha ouvido que a época era de corrupção. Tinha ouvido, ou pelo menos tinha desejado, que isso fosse uma mentira, uma falsidade. Então desci do Olimpo (como homem) e andei pelo mundo. Demoraria demais dizer-lhes o quanto aquele mal estava disseminado. Tudo o que eu ouvira era um doloroso retrato da verdade! Passei por Menala, um país encolerizado por estúpidos animais e por Cilene, e pelas frias florestas de pinheiros de Liceo. Então cheguei à noitinha, já com as sombras se adensando, a um palácio arcadiano, onde o tirano foi extremamente caloroso na minha recepção. Sinalizei que um deus havia chegado, e as pessoas começaram a me reverenciar, e Liacon zombou delas. Riu de suas preces e disse: “Prestem atenção porque vou descobrir se esse fulano é um deus ou um mero mortal. Porque saberei dizer isso rápido e não deixarei dúvidas a respeito.”
Ele planejou, naquela noite, me assassinar enquanto eu estivesse cochilando. Esse era seu jeito de descobrir a verdade. Além disso, e não satisfeito ainda, fez um refém, um dos que haviam sido mandados pelos molossianos. Cortou sua garganta, cozinhou pedaços de sua carne, ainda morna pela presença da vida, assou outros, e os colocou à minha frente na mesa.
Bem, hoje eu vou parar por aqui. Acho que já está de bom tamanho. Deu para dar uma amostra da índole do Licaon. Uma versão masculina da madrasta má, e com um pouco mais de requinte. Em vez de querer disputar com Branca de Neve, ele implica com ninguém menos que Júpiter. Gosto também do jeitão blasé de Júpiter, quando ele fala “então desci do Olimpo e andei pelo mundo”. Amanhã Ovídio nos dá o primeiro relato de uma metamorfose. Não percam. É das boas.