Contos do corpo, 11 – Educação física
Enquanto isso, na escola, as aulas de educação física ficavam cada vez mais insanas. A professora, Ruth, era a antítese de tudo que eu imaginava que uma mulher deve ser. Ela usava um apito pendurado no pescoço, no meio dos peitos. Seus peitos eram gigantescos e moralistas. Ficavam apoiados em cima de uma barriga que me parecia bastante convicta da sua função. Ruth era a convicção em pessoa.
Não sei por que, mas cismei que, na verdade, ela morava numa fazenda. De manhã, bem cedinho, ordenhava as vacas, soltava as galinhas, alimentava os porcos, pegava sua caminhonete e ia dar aula de educação física para nós.
Chegando na escola, soprava o apito e nós começávamos a correr em volta da quadra. Ela fazia anotações numa prancheta. Eu me sentia gado. Achava errado sermos tratadas daquela maneira degradante. Ficava me perguntando se não havia um número zero-oitocentos para onde eu pudesse ligar e denunciar a aula de educação física. Eu corria de boca aberta, com os ombros caídos, lembrando de Jesus, pensando em tudo que ele passou. Depois da terceira volta, começava a perder as funções vitais. Ruth berrava conosco. Não havia beleza estética, ritmo, harmonia no conjunto, nada. Era uma cavalaria sem propósito ou direção. Ela dizia coisas tenebrosas para nós, e já na quarta volta eu me sentia um lixo. Um saco de lixo vazio, tentando correr, sendo atropelado pelas colegas atletas. Havia algumas delas na nossa classe. Roberta, Débora, Marcela. A força começava nos nomes. Elas tinham o mesmo DNA da Ruth. Pertenciam à uma raça de mulheres que, para mim, parecia sobre-humana.
Na segunda parte da aula jogávamos queimada. Daí só havia dois caminhos a seguir. Ou você pegava a bola e assassinava uma amiga ou corria feito doida para tentar salvar sua vida. Eu não ia sair matando pessoas, por mais que Ruth me xingasse de maria-mole e fracote. Desculpa, mas não ia me corromper. Eu tinha aspirações artísticas. Sabia que aquilo era apenas uma aula de educação física com horário para acabar.
Saí roxa, sangrando, zonza, sem fôlego e com vontade de chorar. Educação física era isso. Tomávamos uma surra e dois dias depois estávamos de volta, para mais.
2 comentários
Lembrei do meu professor de Educação Física do Ensino Médio. O nome dele era Sergio, mas nos chamavamos ele de Seu Peru (com todo respeito). O pescoço dele era muito grande e vermelho. Remetia a figura dos ilustres perus que muitos alunos tinham no quintal. Riamos muito apesar de todooooo respeito. Ler seus contos é reviver o passado. E como é bom lembrar com orgulho de um tempo lindo em que tudo era festa na adolescencia.
Índigo li seu livro Saga Animal , gostei muito dele e também destes textos ” contos do corpo ” vc conta casos da sua vida q são comuns para todos , gosto desse tipo de texto e estou torcendo pra q vc poste mais textos desse gênero . sou aluno da escola Anjo da Guarda , Curitiba.
um abraço, Mateus