Contos do corpo, 21 – O decreto do sutiã
No sábado à tarde encontrei uma sacolinha cor de rosa das lojas Marisa em cima da minha cama. Três calcinhas estampadas presas a um mini cabide de plástico. A primeira branca estampada com florzinhas azuis. A segunda, amarela com bolinhas cor de rosa. A terceira cor de rosa com listras brancas. No outro cabide, dois sutiãs do tipo top de ginástica, sem fecho atrás ou bojo. Os dois, cor da pele. Sem renda, sem lacinho, sem estampa. Sutiãs espartanos.
Aposto que esse é o modelo que as freiras do colégio usam, pensei.
Os sutiãs não ornavam com as calcinhas. E por que cor da pele? Tão sem graça… Já que era para usar sutiã, que fosse um lingerie. Mas pelo jeito eu ia ter de esperar até o dia em que começasse a ganhar meu próprio dinheiro para comprar lingerie francesa de seda, com renda.
Na segunda-feira vesti o sutiã. Botei o uniforme por cima e fui tomar café-da-manhã, me sentindo uma estranha. Ao mesmo tempo, era interessante. Agora eu tinha um segredo por baixo do uniforme. Considerei a hipótese de me tornar advogada quando crescesse. Imaginei a pasta de couro com os processos, e o sapato de salto alto. Eu usaria um lenço amarrado no pescoço e uma saia justa, na altura dos joelhos. Um modelito chique, de uma profissional que inspira confiança. Advogada criminalista.
Chegando à escola, entendi direitinho o motivo do “cor da pele”. Fiquei com pena das colegas que se deixaram levar pela vaidade e optaram por sutiãs cor de rosa, amarelo ou uma, em particular, que estava de sutiã verde limão! O meu, pelo menos, era imperceptível.
Nesse dia foi impossível se concentrar nas aulas.
Na cabeça da maioria dos meninos nós havíamos lançado a moda do sutiã como uma artimanha para atiçá-los. Meninos que antes mal olhavam para nós, agora estavam obcecados com a nossa presença. Na hora do recreio esqueceram de jogar futebol. Correram atrás de nós pelo pátio, determinados a jogar cubos de gelo dentro da nossa camiseta. Não sei o que pensavam. Que um cubo de gelo ia nos fazer arrancar a roupa?
Puxei a gola da camiseta para o topo da cabeça, prendendo-a no queixo e na testa. Visto de fora, eu devia estar parecendo uma muçulmana de braços atrofiados. Para mim funcionou. Do meu casulo observei o corre-corre pelo pátio, a gritaria e os chiliques. Era evidente que as meninas estavam adorando o assédio.
No dia seguinte a graça do sutiã tinha passado. Os meninos voltaram para o universo deles e eu saí do casulo.
4 comentários
Oi Índigo
Mais um conto super especial…putz lembrei do meu primeiro sutiã…azul, da para acreditar? minha mãe não pensou no meu bem estar kkkkkkk. Sempre fui muito grandinha(fofinha melhor)e ai imagina só….Tati de sutiã andava toda curvada parecendo um camarão de tanta vergonha. O pior que continuo a andar do mesmo jeito!!!! Que trauma na minha vida! Assumi os peitões, fazer o que né….mais só compro cores bem discretas, sem rendas pois o salario de pedagoga não da para comprar rendas kkkkkk. Beijocas e estamos te esperando com muito amor.
Oi, Tati, camarão! Eu tb estou contando os dias. Vou adorar conhecer essa leitora fiel! bjo, Índigo
Arrasou mais uma vez, seus contos são lindos parabéns!
Valeu, Mychele