Faça sua busca
  • segredosdeindigo
    @gmail.com

  • @indigo.ayer

  • @indigo_hoje

  • @indigoescritora

  • /
  • Vida
  • /
  • Contos do corpo, 23 – Os pensamentos
27 de agosto de 2014
756 visualizações

Contos do corpo, 23 – Os pensamentos

Com os dentes amarrados passei a pensar duas, três, quatro vezes antes de abrir a boca para falar.

A pronúncia de determinados fonemas fazia com que os ganchinhos que prendiam os elásticos raspassem no interior da bochecha. Muitas vezes, se me empolgava, mordia a língua no meio da palavra. As pessoas pediam para eu repetir. Não entendiam o que eu dizia. Repetir implicava em machucar de novo, sem garantia de que entenderiam da segunda vez. Eu acenava com a mão, num gesto de “deixa pra lá”.

Cada vez que alguém dizia: “Como é?” ou “Não entendi”, em vez de interpretar como um problema de comunicação, eu questionava se o que eu havia acabado de dizer tinha procedência. Era algo que realmente merecia ser verbalizado?

Rapidinho percebi que nada do que eu tinha a dizer importava de verdade. Minhas opiniões não iam mudar o mundo, não iam sequer convencer alguém do que quer que fosse. Tudo o que eu tinha a dizer podia ser dito por outras pessoas, uma colega de classe, um professor, a mãe de alguém. Eu podia me poupar da dor e do esforço. Então parei de falar e passei a ouvir mais.

Em casa, meus pais acharam que eu estava amadurecendo. Foi lindo. Descobri que é fácil parecer inteligente. No meu caso, bastou calar a boca. No meu silêncio fui me dando conta da quantidade de bobagem que eu dizia, sem parar, sem pensar, o tempo inteiro. As bobagens continuavam ali, saltitando feito girinos eufóricos dentro do meu cérebro. A única diferença é que agora não escapavam mais. Enquanto o mundo achou que eu tinha amadurecido, por dentro eu reprimia o estoque de besteirol. Claro que a coisa teria de extravasar de alguma maneira. Para a minha sorte, foi nessa época que ganhei um diário e comecei a escrever relatos detalhados da minha vida. O silêncio transbordou com uma fúria assustadora. Eu me espantei com minha própria escrita. Botei um cadeado no diário. Guardei a chave no sutiã. Na hora do banho, pendurava a chave em volta do pescoço.

Se havia segredos escabrosos no diário? Não. Nada do tipo. Havia a minha intimidade e meus pensamentos, o que por si só já eram terrivelmente constrangedores.


2 comentários

  1. Avatar
    Fabiano

    Olá.
    Diário não é bem coisa de menino, mas eu tinha um. Mais do que necessidade de falar, eu queria, na verdade, imitar o Doug, do desenho. Nessa época eu também começava a ler os livros da coleção vagalume, então juntou tudo, escrita e leitura. Minha imaginação que já era fértil se tornou uma plantação de vários hectares. Por que a revelação? Porque eu concordo com o comentário feito por uma leitora no texto anterior, seus contos nos fazem lembrar de coisas de nossas próprias vidas. Tá aí a mágica da literatura. Abraços!

    1. Avatar

      Oi, Fabiano. Agradeço por ter compartilhado essa lembrança tão boa. Relatos assim são super inspiradores. Valeu! bjo, Í

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Já nas livrarias!!!
Já nas livrarias!!!
21 de junho de 2022
Oficina de Escrita Orgânica em Holambra
Livro novo! Já nas livrarias
Livro novo! Já nas livrarias
4 de agosto de 2021
20 anos de estrada!
20 anos de estrada!
8 de junho de 2021
Casinha para degustação
Casinha para degustação
25 de maio de 2021
Avatar
Tamy lazara togojebado gomes em:
Minha dívida com as bruxas
2022-10-06 06:40:15
Avatar
Índigo em:
Oficina de Escrita Orgânica. Venham!
2022-05-25 16:01:12
Avatar
Isadora em:
Oficina de Escrita Orgânica. Venham!
2022-04-27 22:16:04
Avatar
Isadora em:
Oficina de Escrita Orgânica. Venham!
2022-04-27 22:15:49
Avatar
Índigo em:
Casinha para degustação
2021-06-09 10:00:27