Contos do corpo, 28 – Psiu
Um belo dia eu estava andando na rua quando ouvi um “psiu!”
Olhei à minha volta. Ouvi um segundo “psiu!” Localizei a origem. Vinha de uma construção. Era um pedreiro que estava me chamando. Olhei. Então ele olhou bem nos meus olhos, empinou a cabeça para frente, encheu a boca e me chamou de gostosa, saboreando os esses, como se fossem uma fruta.
Meu coração disparou de medo. Apertei o passo e agarrei a alça da mochila com toda a força, por ser a única coisa na qual poderia me segurar. Não corri. Só apertei o passo, apavorada. Correr seria absurdo. Eu não ia correr por causa de uma palavra. Além do mais, estava a poucos quarteirões de casa. À medida que me afastei, ouvi outras vozes de pedreiros se juntarem a dele, contribuindo com comentários similares. Não havia mais ninguém na rua. A coisa era comigo.
A coisa era comigo???
A coisa era comigo!
Se fiquei ofendida? Fiquei chocada, isso sim. Para mim, foi uma revelação. Isso mudava tudo na minha vida. Significava que eu não era uma aberração da natureza, como os meninos da escola faziam crer. Para eles as únicas meninas bonitas eram as do último ano. Minhas amigas e eu éramos monstrengos engraçados que usavam sutiã e menstruavam.
Depois, chegando em casa, fiquei me perguntando o que levou o pedreiro a fazer aquilo. Será que ele tinha esperança de que eu retribuísse? Era um flerte? Não parecia. Não podia ser por causa da roupa. Eu estava de uniforme. Meus cabelos estavam presos num rabo de cavalo e na hora que passei por eles, estava pensando na prova de matemática, no dia seguinte. Da minha parte, não tinha feito nada de provocante, disso eu tinha certeza. Então, por quê?
Ou será que havia um fundo de verdade no comentário? Não podia ser… Euzinha? Despertando desejos? Era bom demais para ser verdade.
Nos dias seguintes fiz um caminho diferente. Não tive coragem de passar em frente à obra novamente. Tentei não pensar nessa questão. A possibilidade de ser uma gostosa me parecia absurda demais, e a semana de provas estava se aproximando. Eu precisava me concentrar, estudar e tentar melhorar minhas notas, em vez de ficar pensando em besteira.
Embora tivesse conseguido evitar aquele pedreiro em particular, outros surgiram no meu caminho. Eles compartilhavam da opinião do primeiro. Logo descobri que porteiros, cobradores de ônibus, varredores de rua, vendedores de sorvete, pipoqueiros, taxistas e até senhores com jeito respeitável sentiam que deviam manifestar uma opinião a meu respeito, quando eu passava.
Depois de algumas semanas entendi que isso ia virar uma coisa corriqueira na minha vida. Não dá para dizer que me acostumei. Era bizarro e ridículo, mas esse era o comportamento masculino. Eu fingia que não era comigo, enquanto sentia uma felicidade espevitada por dentro.
6 comentários
Oi Índigo, tudo azul por ai?
Acabei de ler o seu conto e lembrei do dia em que a Mel e eu estávamos subindo para trabalhar e passou uma Kombi, modelo 1960(bem novinha kkk) e o motorista buzinou e acenou para nós. Chegamos na escola morrendo de rir. Pensamos: Poxa estamos bem na “foto”. Depois ficamos a nos perguntar: Poderia ser um carro um pouco mais novo, moderno, quem sabe uma Mercedes com um mocinho de olhos azuis. Bom,deixa quieto o importante é que ganhamos uma buzinadinha depois de algummmm tempinho sem saber o que era isso.
Oi, Tati, querida. Por aqui tudo azul, graças a Deus. E você? E a minha escola favorita? O legal é que agora leio seus comentários e imagino DIREITINHO a cena. Conheço até as personagens! ; )
beijoca, I
Olá Índigo, como vai? E aí gostou de nossas historinhas? Comigo aconteceu algo parecido. Eu estava indo ao mercado quando um grupo que estava brincando na rua e me perguntaram se eu iria comprar droga. Eu fiquei me perguntando se eu estava tão mal arrumado, ou se era comigo que eles estavam falando… Só sei que nada sei. Beijos Índigo e se cuide.
Oi, Eduardo. Estou lendo as histórias, e responderei por aqui muito em breve! Acho que vc fez o que eu mesmo teria feito nessa situação. Ignorar e sair fora, bem ao estilo só sei que nada sei. beijinho, Índigo
olá Índigo. Como vai? gostou do nosso livrinho? comigo aconteceu algo bem parecido um belo dia ensolarado, eu estava andando na rua normalmente quando de repente, passou um caminhão de lixo e assoviou para mim… daquele jeito (NOSSA QUE MENINA LINDA) eu fiquei abismada com aquilo, eu abaixei a cabeça e fingi que não era comigo!! beijinho!
Oi, Sabrina. Estou lendo o livrinho. Está uma graça. Pois é… se aconteceu com vc também, vc me entende, né? beijinho, Í