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Contos do corpo, 42 – O nervo
13 de novembro de 2014
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Contos do corpo, 42 – O nervo

No Kung Fu, mais que qualquer coisa, aprendi a arte de apanhar. Não uma surrinha ocasional, mas a apanhar dia após dia. E nem falo em apanhar fisicamente (também era) mas ia além.

Eu tomava surras morais. Fazer Kung Fu aos 40 não é pra qualquer um. Ao final dos treinos eu sempre pensava em desistir ou morrer. Eu me perguntava o que estava fazendo ali e me sentia uma louca. Meu inconsciente, e o consciente também, dizia que eu devia tomar vergonha na cara e cair fora.

No caminho para casa, enquanto me arrastava pelas calçadas, pensava melhor. Parava de encucar com o Kung Fu e voltava ao módulo escritora. Minha vida não se resumia a apanhar. Apanhar era apenas uma atividade que eu fazia três vezes por semana. No resto do tempo eu ficava quietinha em casa, escrevendo divertidos livros para jovens. Por isso, não tinha cabimento fazer tanto drama. Pensando bem, cada treino de Kung Fu era como o terceiro capítulo de um livro.

A pessoa escreve um primeiro capítulo genial, um segundo que vai no embalo, e no terceiro o escritor perde o fôlego. A essa altura eu já havia escrito vários e sabia como a coisa funcionava. Assim, resolvi ficar no Kung Fu. Afinal, tudo que consegui na vida foi resultado da minha obsessão. O que é que tem levar uma surra? Se a cada surra eu tivesse desistido, não teria chegado a lugar nenhum. Minha autoestima nunca foi das melhores, por isso todo mês eu pagava a mensalidade e me submetia aos treinos. Saía roxa, dolorida, desmoralizada, convencida de aquilo estava me fazendo muito bem. No mínimo, faria de mim uma pessoa mais forte e resistente.

E caso eu não ficasse mais forte e resistente, serviria de matéria prima para boas histórias. Enfim, alguma coisa de boa eu tiraria do martírio que era o treino de Kung Fu. Eu gostava de ver homens gritando. Sim, aqui cabe dizer que no treino havia apenas duas mulheres. Eu e minha fiel amiga Bebel, que como eu estava querendo fazer uma terapia de choque, sem ter de pagar os olhos da cara. Comparado às sessões de terapia, saíamos no lucro. Com terapia eu teria demorado dez, quinze anos para superar meus bloqueios. Apanhando, tudo acontece mais rápido.

No meu caso, eu tinha dificuldade para dar vazão à minha agressividade. É o que Mestre Chao dizia.

“Agressividade? Eu?” Eu me achava tão dócil, tão meiga e suave. Mestre Chao tinha de se conter para não meter um chaku na minha cabeça cada vez que eu falava da minha personalidade meiga. Ele achava que o primeiro passo era começar a berrar na execução dos golpes. Enquanto eu não começasse a berrar feito uma guerreira de verdade, meus movimentos não teriam intensão. Essa era a palavra de ordem. “Intensão”.

Mas eu não gritava. Eu nunca tinha gritado com ninguém e não seria ali, com estranhos inocentes, que começaria.

“Então vai continuar apanhando…” Mestre Chao dizia, dando de ombros, me desprezando.

O homem era chinês. Ele podia esperar o tempo que fosse. Para ele, tanto fez, tanto faz. Ele sabia que uma hora eu ia extravasar minha agressividade. Ele era zen. E eu? Eu apanhava. Esperando o golpe certeiro, aquele que atingiria meu nervo central.

 

Imagem: cena do filme Kill Bill

 
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