Contos do corpo, 43 – O corpo abandonado
Enquanto isso, na minha vida civilizada do dia a dia, eu escrevia. De manhã até a hora de dormir, num ritmo frenético. Fazenda adaptações de “Alice no País das Maravilhas”, “Rei Arthur”, “Os doze trabalhos de Hércules”, “Viagem ao centro da terra” e outras histórias fantásticas que resistem à passagem do tempo. Também fazia traduções, e entre uma coisa e outra ia escrevendo meus próprios livros. Aceitava todos os trabalhos que chegavam. Tudinho. Quando dava uma hora da tarde, desligava o computador, ia para a rua e almoçava num restaurante por quilo. Não queria perder tempo fazendo almoço. A manutenção que eu dava ao meu corpo físico era mínima. O suficiente para me manter viva. Passava na padaria, tomava um café expresso e retomava a escrita.
Sentada ao computador, escrevendo, era como se eu nem tivesse um corpo. Os dedos eram a única parte que mexia. O resto hibernava. Toda minha energia era direcionada para o mental, sendo que o mental estava em lugares longínquos. Longínquos mesmo, como a Terra do Nunca, por exemplo. Era fantástico. Mesmo não sendo saudável, ou sequer natural, eu não me importava. Escrever era um mergulho num mundo paralelo, mais ou menos como os viajantes de Avatar. A conexão se dava pelo simples contado da pontinha dos dedos com o teclado. Eu pulava para o lado de lá. Quando voltava me dava conta de que havia passado quatro horas sem sair daquela posição.
Eu era como aqueles indianos malucos que ficam parados ao lado do Ganges, numa perna só, feito um flamingo, por horas e horas. Isso explica, em parte, minha dificuldade para berrar nos treinos de Kung Fu. O que mestre Chao não entendia ( e eu nunca expliquei) é que no meu dia a dia eu não interagia com “o mundo”. Flutuava por ele, achando tudo interessante, como numa visita ao museu. Foi uma época bem fleumática. Acho que se não fosse pelo Kung Fu, para me trazer de volta à terra, eu já teria escapado de mim.
3 comentários
Oi Índigo
Espero que agora vc esteja realizando a manutenção do seu corpo físico. Não quero te ver doente heim. Se cuide para continuar nos presenteando com contos lindos! É tão interessante entrar no seu mundo e ficar sabendo como é a vida de uma escritora. É fascinante!!!! bom, preciso liberar meus aluninhos pois já esta na hora de ir para casa.Mil beijocas e força na peruca.
Bom sei que quando estamos trabalhando realmente e assim mesmo e agora me dou conta de que estou completamente errada no meu modo de trabalhar pois as hrs passam e quando me dou conta se quer fiz minha refeicao com certeza nao e um bom exemplo para meu filho pois ele acha que nao precisa tbm fazer as refeicoes pode apenas ficar brincando…rs e interessante ver de fora uma situacao…
OI, Juliana. Pois é… O tempo tem seus truques e nos pega de jeito! bjo