Deucalião e Pirra
Para você que chegou agora: desde o comecinho de janeiro estou reproduzindo (em formato de prosa) “Metamorfoses” do poeta Ovídio, acrescentando meus pitacos. Em itálico, as palavras originais. Abaixo, meus comentários.
Focis, uma terra fértil quando havia terra, separava Ocean dos campos da Beócia. Era um mar agora, uma planície tomada de súbito pelas águas. Ali o Monte Parnasso apontava seus picos gêmeos para o céu, alto, escarpado, impotente. E Deucalião ali chegou remando, com sua esposa. Não havia outra terra, o mar havia afogado tudo. E ali eles cultuaram primeiro as ninfas de Coriciano e seus poderes nativos, depois Têmis, o oráculo que revela o destino. Não havia homem melhor que Deucalião, ninguém tão correto. Não havia mulher mais reverente do que Pirra. Então, quando Júpiter viu que o mundo era um grande oceano, que somente uma mulher restava de todas aquelas milhares delas, e só um homem entre milhares de outros, ambos inocentes e reverentes, ele partiu as nuvens, liberou o vento norte, varreu-as dali, mostrou de novo a terra ao céu, e o céu à terra. E a fúria do mar reduziu-se, e o Rei netuno baixou seu tridente, acalmou as ondas. E Tritão convocado das profundezas das águas, com seus ombros salpicados de crustáceos, emergiu das águas, o deus verde do mar, cujo som ressonante de sua concha é ouvido de praia a praia. De barba molhada, Tritão colocou os lábios naquela concha enorme, como Netuno ordenara, e comandou a retirada, e todas as terras e águas ouviram e obedeceram. O mar teve de novo as praias, os rios, ainda correndo cheios, entraram nos seus leitos. A inundação cedeu, as colinas ficaram à vista de novo. As árvores, há tanto tempo soterradas, despontaram, com suas folhas ainda barrentas. O mundo voltou à vida.
Viu só que beleza? Quando os deuses se acalmam, com um singelo gesto eles afastam as nuvens, deixam o sol aparecer e tudo vai voltando suavemente ao seu lugar. Os rios escorregam de volta para o leito, o vento sossega, as ondas descansam. A raiva passou. Ufa!