Entrevista com Solange, a serpente sigilosa
Se você não se lembra dessa personagem de “Saga animal”, é porque ela não ganhou falas no livro. Mas os leitores atentos certamente repararam que na página 26 do Capítulo 02, Ígor faz referência a ela.
Depois de meses de insistência e negociações, nossa equipe de reportagem conseguiu essa entrevista exclusiva com a Serpente Solange. A primeira que ela concede para a mídia.
Solange, gostaria de começar agradecendo pela disponibilidade. Sei que a senhora é uma serpente muito reservada.
Sim.
Apesar de não ter ganhado nenhuma fala, como a senhora se sentiu em “Saga animal”?
Mal.
Por quê?
Humpf… Preciso responder?
Sim, por favor. Por que a senhora se sentiu mal?
Porque estava presa num aquário de vidro. Foi degradante e criminoso.
Desculpa. Na época que escrevi o livro eu não pensei nisso.
Eu sei. Você era muito ignorante.
Por onde a senhora anda agora?
Eu não ando. Não tenho pernas. Eu rastejo. Jamais pergunte a uma serpente por onde ela anda. Isso é ofensivo.
Por onde a senhora tem rastejado?
Vivo numa ilha.
Sério? Que ótimo! Então a senhora também conquistou sua liberdade?
Sim.
A senhora se casou?
Sim. Cinco vezes. E fiquei viúva. Cinco vezes.
A senhora pretende se casar novamente?
Só Deus sabe.
A senhora continua linda. Qual o segredo para ter um couro tão bonito?
Bebo três litros de água por dia, durmo muito, muito mesmo, e pratico yoga todos os dias. E não me apego demais aos meus maridos.
A senhora dança?
Naturalmente.
Que tipo de dança?
Pratico dança do ventre. Meus antepassados eram árabes. Amo dançar. Dança pra mim é vida. A vida é uma dança. Você continua dançando, Índigo?
Continuo.
Você ainda tem medo de cobras, Índigo?
Não é bem medo. Acho que tenho fascínio.
Soube que você interagiu com uma jararaquinha no começo de 2017. Como foi essa experiência para você, Índigo?
Foi auspicioso. Auspicioso é a palavra. Acho que a senhora entende.
Eu entendo. Alguma outra pergunta que você gostaria de me fazer, Índigo?
Não. Engraçado, acho que a entrevista se inverteu. Agora é você quem está me entrevistando.
Logo se vê que você nunca conversou com uma serpente antes. Índigo, obrigada pela entrevista. Você gostaria que eu relasse em você? Prometo que não te pico.
Acho que ainda não estou preparada. Obrigada. Adeus.
Adeus, querida.
2 comentários
Ótima proposta. Desdobra a obra. Isso é uma marginação literária. Abraços
Valeu, Alexandre. Essa é a ideia!