Memórias do Vale do rio Purús
Enquanto eu arrumo a mala meu vô João já está lá, navegando pelo Purús, em 1969:
Não havia pão a bordo da Niterói. Havia umas bolachinhas muito gostosas e que não faziam mal ao estômago – aos estômagos fracos, o meu por exemplo. Elas ficavam bem molhadas no café, leite ou chá mate. A Niterói usava lenha para a propulsão, não usava óleo, gasolina ou eletricidade. Daí sua grande morosidade nas marchas durante a viagem. Daí o rigorosíssimo racionamento de luz elétrica a bordo. Graças a um gerador de eletricidade a bordo, na casa das máquinas, era possível o telégrafo sem fio a bordo, e um pouquinho de iluminação elétrica. Tirando isso, tudo mais era com lamparina a querosene, e com lenha. Daí a possibilidade de determinado regime de alimentação a bordo. A alimentação a bordo da Niterói era excelente, saudável e gostosíssima, também muito farta. A não ser nos dias em que os animais eram abatidos. Suas carnes são curadas ao sol, ao vento e ao ar comum, com leves camadas de sal. Otimamente preparadas e gostosíssimas. Mas eu não podia comê-las, devido a viver em regime alimentar meio rigoroso. Também as sobremesas em conservas eram para a minha saúde um grande prejuízo. A carne de porco, de qualquer modo que fôsse, e os subprodutos, eram para mim violento veneno. Leite e manteiga… nem em sonho! Mas as carnes novas e o peixe (que somente uma vez foi servido), o feijão (que também me fazia mal), o arroz, as bolachinhas e a sopa de macarrão e de certas verduras, o café, o mate e as dulcíssimas bananas!… que delícia. Com essas coisas eu me alimentava bem. A água era do rio Purús, sem filtrar. Apenas depositada. Fez-me um pouco mal aos intestinos, mas sem piores consequências. No mais foi tudo ótimo, embora meu organismo se ressentisse um pouco Teresa deu-se muito bem, o que para mim foi motivo de satisfação.
O horário a bordo:
Às 6 da manhã, levantamos.
Às 6:30, café geral com bolachinhas. 15 minutos antes um cafezinho saboroso, servido individualmente onde a pessoa se encontrasse.
Às 10:30, almoço.
Às 14, café ou mate, o que a pessoa quisesse – com bolachinhas e manteiga.
Às 17:30, jantar.
Às 20, um bom cafezinho.
Deitar, a hora que o passageiro quisesse, mas às 22h começava rigorosíssimo silêncio.
Éramos nós dois os únicos passageiros. A disciplina acima, até um certo ponto, tornou-se bem amena. Somente o inspetor de ensino primário, Sr. Omar, foi mais um passageiro. Mas, mesmo assim, embarcou na cidade de Tapauá e desembarcou em Lábrea. O professor Osmar foi nosso companheiro na Pensão Paraibana, em Bôca do Acre. Tinha êle uma vasta zona de rêde escolar a inspecionar, em todo o oeste ou em parte do Amazonas.
Vivíamos, pois, em completa familiaridade com os oficiais, marinheiros e demais tripulantes do navio Niterói. Na tripulação não havia nenhuma mulher. Os oficiais e demais homens da tripulação eram, a todo instante, muito cortêses conosco. No fim de dois dias éramos, todos nós, uma verdadeira família cujos vários membros são realmente bem unidos. Graças a Deus…