Navegando por um igarapé
Na comparação, o rio Purus seria uma autoestrada de quatro pistas. Ele conecta a civilização com a floresta, sendo que ele mesmo não é uma coisa nem outra. Ele é um meio. O igarapé é diferente. Ele penetra a floresta. Ele não se sente no dever de levar ninguém a canto nenhum. Ele se enrola inteiro, vai, volta, passa por cima de si mesmo, sem a menor lógica. Impossível não pensar numa serpente. Depois de algumas horas no igarapé, você está montada no lombo da serpente. Ao esticar os braços você toca as árvores. Em certos trechos, árvores brotam de dentro d’água. É como se a canoa tivesse virado um tapete voador, contornando as copas. Em outros trechos as árvores se jogam no meio do rio, e o canoeiro passa por cima dos troncos. Às vezes, como nesse trecho aqui, o igarapé resolve que os viajantes já viram coisas demais, e bloqueia o caminho.
O canoeiro encontrava brechas entre os galhos e nós atravessávamos. Depois, quando eu olhava para trás, tentando entender como ele conseguiu, me dava conta de que o casco da canoa tinha a habilidade de encolher, se achatar e ir se moldando, conforme a necessidade.
Mais para frente uma cortina de folhas e cipós tentava mais uma vez conter nossa curiosidade. Sentada na proa da canoa eu metia as mãos e ia abrindo caminho. Nesse ponto eu não estava apenas penetrando a floresta, mas abrindo caminho entre as folhas das árvores. Foi aí que notei meu encolhimento, pois a essa altura eu estava com dez centímetros de altura. Quinze, no máximo.