Processo criativo
Começo um conto novo. Estou em casa, de pijama, escrevendo, pensando apenas na história. Não sei se o conto vai funcionar, como vai terminar, se eu mesma vou gostar do resultado. Mas sigo escrevendo, dia a dia.
Termino o conto. Reviso, releio, decido que gosto. O conto é baseado em coisas que vivi. Fico feliz por ter transformado uma história pessoal num texto que poderá ser lido por outras pessoas.
Escrevo outro conto, e outro, e mais um, até compor um livro. Reviso o livro, mudo os contos de lugar. Releio mais vinte vezes. Gosto do resultado. Mando o livro para a editora. Aguardo meses e meses. O livro fica pronto.
O livro é publicado. Recebo meu exemplar pelo correio. Sento na varanda e fico olhando para a capa, folheando as páginas. Agora o livro deixou de ser meu. Ele está circulando por aí e sabe-se lá onde vai parar. Ele será lido. Eu já não tenho coragem de ler. Boto o livro na estante.
O livro é adotado por uma escola. Um dos contos cai numa prova. Minhas lembranças de infância estão misturadas com questões de ortografia e gramática. Aquilo que começou comigo sozinha em casa, de pijama, virou conteúdo de sala de aula, que vale nota na prova. Agora, do outro lado do texto, crianças estressadas precisam decifrar o que eu quis dizer. Elas odeiam o conto. O conto é confuso. Elas precisam recuperar as notas vermelhas do primeiro semestre. Elas querem saber quem foi a autora que teve a infeliz ideia de escrever um conto tão ridículo, nojento e de difícil interpretação. Pouco importa se a autora quis relatar uma experiência pessoal. Pouco importa se a autora utilizou elementos da sua vida. Ela não tinha o direito de se meter numa prova de Português e complicar tudo, a essa altura do ano letivo.
3 comentários
🙂
Sou professora. É duro convencer os alunos a irem além do “mainstream” de best sellers americanos e britânicos. Faço de tudo para atrair, conquistar, encantar os alunos. Apesar disso, as burocracias da vida escolar me obrigam a colocar questões na prova. Boa notícia: nem sempre é um sofrimento.
Oi, Daniela. Te desejo sucesso e muita força na sua campanha por leituras mais ousadas. Conte comigo sempre que precisar! beijinho, Índigo